Depois de algumas dezenas de anos em que o termo “Educação Inclusiva”
(EI) andou nos documentos de organizações internacionais, nas
legislações nacionais, nos discursos políticos e nas preocupações
académicas, é tempo de perguntar se afinal não fomos iludidos quando
escolhemos este caminho.
O termo Educação Inclusiva
está atualmente tão embutido na linguagem comum que nos leva a
desconfiar deste seu aparente unanimismo. Na verdade, “o pobre desconfia
quando a esmola é grande…”. Muito se tem escrito sobre o que é a
Educação Inclusiva e gostaria de dizer o que, na minha opinião, a EI não
é:
Em primeiro lugar a EI não é um favor que se
faz aos alunos com dificuldades e às suas famílias. Por vezes se pensa
que “eles” (???) estariam melhor numa escola especial mas é mais humano
que frequentem uma escola regular”. Hoje sabemos que a presença de
alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) em escolas regulares
não é devido ao sistema educativo ser “bonzinho” mas é um direito de
todas as crianças. Não só as crianças com NEE têm direito a ser educadas
com os seus colegas sem NEE, como os alunos sem NEE têm direito a não
ser privados do conhecimento, do convívio e da interação com os seus
colegas que têm dificuldades. A EI permite a todos os alunos um
alargamento dos seus horizontes ao nível das relações humanas, da
socialização e da aprendizagem.
Não se pode pois dizer que
estamos a fazer um favor aos alunos com NEE e às suas famílias, menos
ainda se pode dizer que estes alunos estão só “administrativamente” nas
escolas. Uma escola saudável é aquela que permite a todos os alunos
viver as experiências que mais se aproximem da heterogeneidade e
dinâmica da nossa sociedade. Isso é a EI.
Em segundo lugar a EI não é um meio mais
barato de educar alunos com NEE. Por vezes surgiu essa “esperteza” de
pensar que se fossem fechadas as escolas especiais e os alunos com NEE
educados em escolas regulares se pouparia muito dinheiro. Não é verdade e
por muitas razões: antes de mais porque continuamos a precisar de
estruturas e técnicos de apoio quando os alunos estão em escolas
regulares, depois porque as exigências inerentes à frequência de uma
escola regular aumentam as necessidades de apoio aos alunos com
dificuldades enfim porque é preciso adaptar muito mais condições para
que o aluno possa participar e desenvolver atividades numa sociedade
“aberta”.
É pois errado pensar na EI como sendo uma forma mais
barata de educação. Para ser competentemente realizada a inclusão
precisa de professores especializados, de outros técnicos, de apoio
pedagógico, de acessibilidade, da montagem e funcionamento de um sistema
de atenção particular às necessidades deste aluno e da sua família e
comunidade. É pois cara. Não despesista mas cara. É por este motivo que
quando são atrasados, retirados ou “racionalizados” recursos essenciais
para a educação destas crianças, isso constitui uma liquidação da EI.
Em terceiro lugar
a EI não tem alternativa. Ou melhor… tem… mas não é a mesma coisa…
Afinal qual é alternativa à EI? Dirão: criar escolas separadas para
educar os alunos com NEE. Hoje sabemos que as escolas especiais –
independentemente da sua vontade, projeto e sentido benigno da sua
missão – são estruturas que não são adequadas para preparar o aluno para
uma vida de plena cidadania numa sociedade complexa e exigente como a
nossa. Educar separadamente alunos por causa das suas dificuldades
levar-nos-ia a uma situação insustentável: teríamos que começar por
separar os alunos com NEE e depois progressivamente todos os outros que
vão evidenciando dificuldades, enfim uma situação insustentável até no
mais elementar nível da gestão do sistema educativo. A EI não tem
alternativa credível e os professores e os pais sabem-no melhor que
ninguém.
No momento presente debatemo-nos com graves dificuldades
para manter e melhorar a nossa proposta de EI em Portugal. Muitas das
dificuldades que se apontam não são inerentes à EI mas sim ao modelo,
aos recursos disponíveis e à determinação que se põe no seu
desenvolvimento. A crise económica diminuiu os recursos que se afetam à
Educação. E até agora, depois de um princípio de ano letivo em que os
professores de Educação Especial não foram colocados, em que os técnicos
dos Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) não sabem da sua
carreira, em que não temos ideia de como é que se vão resolver as vias
profissionais de alunos com NEE, no momento em que muitos pais de alunos
com NEE são aconselhados a deixar os filhos em casa porque as escolas
não têm meios para os receber; neste momento é preciso dizer que os
problemas da inclusão se resolvem com mais inclusão e não, e nunca, com
menos inclusão. Ou será que queremos tratar uma planta desidratada com
uma terapia de restrição de água?
Professor Universitário e presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.
fonte: Público
(http://www.publico.pt/n1608519)
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