No nosso país,
se considerarmos um conjunto de variáveis que afetam o desenvolvimento
de uma criança com necessidades educativas especiais (NEE), tal como, as
atitudes da sociedade em geral em relação à diferença, a falta de
consenso quanto a determinados conceitos essenciais para a compreensão
dos seus problemas, a falta de conhecimentos que permitam elaborar
intervenções eficazes para estas crianças e a falta de recursos
necessários para implementar essas intervenções, verificamos que não só
as crianças com NEE se confrontam com enormes desafios e com o fantasma
do insucesso sempre a pairar-lhes por cima, mas também que os seus pais
sentem o peso enorme de umstress contínuo que, tantas vezes, os leva ao
desespero ou a um sentimento de incerteza incontornável.
Nesta matéria, Nuno Crato provou que assim é. Que o sistema educativo
não parece voltado para a educação das crianças com NEE ao afirmar, numa
entrevista televisiva, que os alunos com NEE seriam uma espécie de
"convidados indesejáveis", assim se deduz, reduzidos a uma "questão
administrativa" nas turmas onde se encontram "integrados". O ministro da
Educação negligencia assim os direitos destes alunos, designadamente o
direito a uma educação de qualidade, pautada pelos valores que regem o
movimento da inclusão e, fundamentalmente, pelo princípio que a nossa
Constituição prescreve, o da igualdade de oportunidades.
O que Nuno Crato não percebe é que a vontade de interação ou pertença
motiva-nos a colaborar com os outros e a desenvolver atitudes que levam à
defesa dos interesses e dos direitos de quem mais necessita. Diria que
este é um princípio indelével que nos torna solidários, mais, que nos
torna humanos. Os valores sociais e de cooperação devem projetar-nos
para além do individualismo, para além da vaidade e subserviência
políticas. Devem remeter-nos para uma consciência de solidariedade, para
um sentido de comunidade em que todos nos sintamos interdependentes,
conscientes do papel que cada um tem na sociedade onde se insere. Assim,
o poder passa a ser, deve ser, muito mais do que a necessidade de
dominar, de subjugar, de submeter seja quem for à sua vontade, neste
caso, ao sacrifício, no oráculo da educação, de milhares de crianças com
NEE. O poder deve ser um espelho da competência, da criatividade, da
mestria, da obra e do reconhecimento público de quem o exerce. Nuno
Crato, neste caso, não o soube ou não o quis exercer. Inclino-me mais
para esta última premissa, pois exercer o poder, no caso da educação de
alunos com NEE, significaria fechar cursos de especialização
desnecessários em muitas instituições de ensino superior do país,
contratar mais professores de educação especial e outros quadros
técnicos especializados, reduzir o número de alunos por turma, alocar
mais horas para que os professores pudessem, em colaboração, elaborar
intervenções eficazes, alterar a legislação, dispensar técnicos
superiores do seu ministério que não o estarão a aconselhar devidamente,
enfim todo um conjunto de decisões que exigiriam muita coragem. Só que a
coragem é inimiga do servilismo.
por LUÍS DE MIRANDA CORREIA, PROFESSOR CATEDRÁTICO EMÉRITO, UNIVERSIDADE DO MINHO
In: DN via FB
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